Gol Anulado
Composição: João Bosco / Aldir Blanc
Quando você gritou mengo
no segundo gol do Zico
tirei sem pensar o cinto
e bati até cansar.
Três anos vivendo juntos
e eu sempre disse contente:
minha preta é uma rainha
porque não teme o batente,
se garante na cozinha
e ainda é Vasco doente.
Daquele gol até hoje
o meu rádio está desligado
como se irradiasse
o silêncio do amor terminado.
Eu aprendi que a alegria
de quem está apaixonado
é como a falsa euforia
de um gol anulado.
A canção “Gol Anulado”, de João Bosco e Aldir Blanc, mostra duas faces da dominação masculina. A violência física é evidente. Mais sutil é a violência simbólica: a mulher é chamada “rainha”, pois “se garante na cozinha”… e ainda torce para o mesmo time do amante.
A música é excelente por valer-se de uma metáfora do campo simbóico masculino – o jogo de futebol. Ser traído, sabemos, é a fantasia de contrapartida à fantasia do poder. O poder está sempre muito próximo da paranóia. Torcer para um outro time, no caso, é um crime lesa majestade… A rainha só tem poder na medida em que serve (na cozinha, no tanque, na cama…).
A conclusão da música tem um ar melancólico. A falsa alegria do gol anulado. O amor, fora do campo da dominação, está também fora das regras.
A interpretação de Elis Regina é primorosa. Ela canta no disco Falso Brilhante. É curioso o ar cômico que a cena toma no inicio da música. É só quando ouvimos mais vezes é que percebemos como a cena é terrível. Acho isto importante: dar um ar de galhofa à dominação, como se tudo não passasse de um jogo. É uma faca de dois gumes: pode levar a ver a cena como uma brincadeira, mas também pode mostrar como a brincadeira (o jogo) traz em si os elementos institucionais e instituídos da dominação social.