O maior dos pesos. – E se um dia, ou uma noite, um demônio lhe aparecesse furtivamente em sua mais desolada solidão e dissesse: “Esta vida, como você a está vivendo e já viveu, você terá de viver mais uma vez e por incontáveis vezes; e nada haverá de novo nela, mas cada dor e cada prazer e cada suspiro e pensamento, e tudo o que é inefavelmente grande e pequeno em sua vida, terão de lhe suceder novamente, tudo na mesma seqüência e ordem – e assim também essa aranha e esse luar entre as árvores, e também esse instante e eu mesmo. A perene ampulheta do existir será sempre virada novamente – e você com ela, partícula de poeira!”: – Você não se prostraria e rangeria os dentes e amaldiçoaria o demônio que assim falou? Ou você já experimentou um instante imenso, no qual lhe responderia: “Você é um deus e jamais ouvi coisa tão divina!”: Se esse pensamento tomasse conta de você, tal como você é, ele o transformaria e o esmagaria talvez; a questão em tudo e em cada coisa, “Você quer isso mais uma vez e por incontáveis vezes?”, pesaria sobre os seus atos como o maior dos pesos! Ou o quanto você teria de estar bem consigo mesmo e com a vida, para não desejar nada além dessa última, eterna confirmação e chancela? (Nietzsche, A Gaia Ciência, § 341).
Este é um dos meus aforismos preferidos de Nietzsche. O maior dos pesos…
Podemos, talvez, associar esse pensamento a uma forma de existencialismo. Será correto isso? Assumir a responsabilidade por cada ação, infinitamente.
A dialética entre o arrependimento e o perdão ficam suprimidos aqui? Ou isso é conversa de niilista?
E mais: como não se lembrar da crítica à identidade presente em Freud? Ora, a noção de narcisismo sugere dois movimentos concomitantes e talvez inseparáveis: sempre desejamos ser o que somos e sempre desejamos ser mais do que somos. Mais uma vez, meu alvo aqui são noções como as de “papel social”: imagine uma peça de teatro que nunca sai de cartaz. Imagine um eu que nunca perca seu reinado.
O peso sugerido por Nietzsche nesse aforismo é o peso da ambivalência inerente ao narcisismo. André Green, num livro interessante explorou isso de alguma forma: narcisismo de vida, narcisismo de morte.