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Girl in bed on the telephone

26/02/09

Há uma fotografia, no MOMA, de Irving Penn, datada de 1949, e que se chama Girl in Bed on the Telephone. Eis a foto:

Girl in Bed on the Telephone

A foto é de uma beleza impressionante. Em primeiro lugar, pela captura de uma cena íntima, mais que prosaica. Em segundo, pela composição plástica da cena: as voltas do lençol, a renda da blusa da garota, o amarrotado do travesseiro.

A Psicanálise nos ensina que amamos a partir da fantasia. Nossos objetos de amor são, por assim dizer, substitutos do que nunca pode ser substituído. Essas marcas originárias são a fonte inesgotável de nossas fantasias de amor. É sempre a essas relações pretéritas-presentes que retornamos. Freud dizia que o encontro com o objeto de amor é, de fato, um reencontro. Ao contrário de uma velha teoria popular do amor que diz que sempre estamos procurando um objeto perdido, Freud está dizendo que reencontramos, de fato, o objeto das origens.

Voltemos à fotografia de Penn: pensem na singela diferença entre a marca das dobras do lençol e as marcas um tanto informes, um tanto “em ondas”, fazendo aparecer voltas, espaços ocultos, sombras. Percebam que a perna “em v” da garota acaba por tensionar o lençol. Essa linha diagonal desequilibra a leve curva que parece fazer o corpo da moça. Vejam ainda o fio do telefone que parece passar por debaixo do pescoço da garota. Um fio que não faz reta, ao contrário: que se deixa moldar pelas voltas do travesseiro ocupado apenas na extremidade. Um fio cuja origem também não temos acesso: a tomada imaginada é prosaico demais. Há uma força metafórica muito importante aqui nesse fio que vai para “fora da cena”, para um outro lugar…

Seus olhos fechados transformam o travesseiro no corpo do outro imaginado. Ele já esteve ali? Seria mesmo ele? Não poderia ser ela? De repente, o expectador começa a fantasiar também sobre essa cena. Ocupa-se o lugar do travesseiro ou o lugar dela: quem abraçaríamos assim? Por quem nos deixaríamos abraçar assim? Ou ainda: por quem repetimos essa cena solitária mas de profunda comunicação com o outro?

O telefone traz a voz do outro. Mais: o tom, o ruído da respiração, uma presença apenas parcial. Mas, isso basta para trazer o outro para perto, para dentro. Basta um pedaço do outro. Winnicott chamava esse tipo de pedaço que nos faz reencontrar uma relação intensa com o outro de objeto transicional. Toda essa cena me parece ter um forte caráter transicional: o travesseiro não de fato o outro, a voz mediada também não é o outro, a imagem pensada de olhos fechados também não é… Mas como recusar que o outro ali está nessas dobras, nessas linhas, nessas curvas?

O objeto transicional é muito mais do que um simples substituto para um objeto amado (na nossa cultura, quase sempre, a mãe). É um objeto que marca uma transição entre o eu e o outro, é o meio, é o entre-lugar, é o outro em mim, é o cheiro e o gosto do outro impregnado no meu corpo. O bico, a fralda, o ursinho, o travesseirinho: são objetos profundamente investidos porque marcam uma posição do sujeito diante desse outro. O objeto transicional garante, em certa medida, a posição do “bebê da mamãe” ou, em termos técnicos, de sermos objeto de desejo do outro. A garota que abraça o travesseiro abraça também um lugar que ela ocupa dentro de uma relação.

O aparente auto-erotismo da cena, na verdade, é totalmente colonizado pela presença do outro. Como disse: ela ocupa apenas a extremidade do travesseiro… ela quase cai no “lugar do outro”… Talvez, ela já esteja adormecida, sonhando. Talvez, a relação esteja bem no início. Talvez, seja esta seja uma cena de luto, do fim de uma relação… Mais uma vez o expectador fica sem saber, em suspense permanente, sobre o sentido da cena. Na minha opinião, isso é o fundamental: o suspense desse sentido que toda relação amorosa traz – e também a suspensão de um sentido único que toda boa obra de arte, como essa fotografia, traz. Por mais evidente e prosaica que ela pareça ser no início, num primeiro olhar… Não sabemos ao certo o que reencontramos, mas seja lá o que for, isso, quando aparece, sempre produz um efeito. E é, justamente, sobre esse efeito que uma análise versa.