Há muitas relações possíveis entre a escrita e a lei. Pense, por exemplo, no belo ensaio de Pierre Clastres sobre os índios que escrevem sua lei no corpo. Pense ainda na linguagem jurídica que valoriza imensamente o que está escrito: a assinatura, a autenticação…
Mas, pensemos, rapidamente, nessa cena:
Moisés prestes a quebrar a tábua das leis
A cena é conhecida de todos. Nesse quadro de Rembrandt, assim como na estátua de Michelangelo – segundo a interpretação de Freud – o que se vê é o momento imediatamente anterior à destruição das tábuas da Lei. A escrita que se dissipa diante do ódio de Moisés frente à cena da dança de seu povo em adoração ao bezerro de ouro. Eis o retrato da cena que faz Poussin:
Um momento antes de Moisés chegar
Mal se vê, nesse quadro de Poussin, Moisés, no canto esquerdo, ao alto, descendo com as tábuas na mão. O foco de Poussin é a festa para a nova divindade.
A troca das estátuas pela escrita. Talvez, possamos resumir assim essa história. Onde era a imagem, lá deverá advir a escrita na forma da palavra.
Mas, chegará um dia, sabemos, que a própria palavra se tornará uma imagem. O devir-imagem da palavra. Seus adoradores não cessam de cultuá-la. E não adianta mais espatifar as tábuas da lei. Ao contrário: pensemos nesse espatifar como origem justamente da infinita dispersão dos cacos-palavras, dos sentidos da lei, das interpretações possíveis.
Não, não deve ser por acaso que um dos prováveis (e obscuros) sentidos do verbo espatifar é “abrir, rasgar as entranhas”.
Lembrem-se: a psicanálise valoriza o que deve ser deixado de lado. Dessa cena de Moisés, é importante trazer adiante esses cacos das tábuas. São eles a verdade do infinito da lei. (Ah, é muito diferente dizer o infinito da lei e dizer o não-todo da lei, da mesma forma que há diferença radical entre dizer que a verdade é não-toda e dizer a verdade são infinitas).
É sobre esse tipo de tema que versará o congresso que ajudo a organizar (para maio/2009): www.conpdl.com.br. Participe!