Interessante a notícia divulgada hoje na Folha (cópia abaixo). O caso é desses que servem para aula de psicanálise: o sujeito teme ser careca. Pois bem: lhe é oferecido finasterida, droga que lhe deixará impotente. O que ele faz? Alguns preferem ser impotentes a perder as madeixas.
Quando a psicanálise nos convida a pensar o sexual de uma forma bem mais ampla que o genital exemplos como esses tornam essa escolha conceitual mais clara. Afinal, “sexual” é a nossa imagem (fartas jubas a denunciar nossa virilidade)… talvez mais sexual que a própria potência genital. É claro: os detratores da psicanálise estarão prontos a dizer: “mas os sujeitos que tomam finasterida não querem ser impotentes! Querem apenas que seus cabelos continuem lá!” Ok, ok, mas a pergunta é: por que, sabendo desse curioso efeito colateral, continuam a tomar o pharmakon?
Minha hipótese é que o narcisismo – esse investimento sexual que fazemos na nossa imagem física e/ou moral – é muito mais importante que o nosso desempenho sexual. A imagem é pública, ela tem muito mais usos eróticos. O desempenho é privado e muitas vezes é “compensado” e substituído pelo desempenho moral e amoroso.
Pensemos no caso da mulher que não abandona seu marido impotente, pois ele sempre foi um bom sujeito. Sua insatisfação genital, por assim dizer, nem de longe se compara à satisfação narcísica (sexual) que seu marido lhe proporciona. Suponhamos ainda, nesse exemplo imaginário, que o sujeito seja um bom pai, que trate bem a esposa, que dê a ela essas outras satisfações que a psicanálise situa do lado da pulsão parcial: a comida, a imagem, a voz, o toque. Uma série de elementos que, no conjunto, podem sim servir de substituto à satisfação genital propriamente dita. Ela estaria errada de fazer essa troca? Para voltar ao caso da finasterida: ela também apoiaria a manutenção das melenas do marido ao invés de exigir mais potência?
Quando a psicanálise nos convida a alargar o conceito de sexual, isto é, de não traduzirmos sexual como sendo apenas o genital, ela está nos convidando a ser mais imaginativos em torno dos fenômenos que nos angustiam e excitam. Pensemos no imenso trabalho que temos pensando no que vamos comer e vestir, por exemplo. A comida é um objeto sexual na medida em que ela também provoca excitação e angústia. Estou comendo demais? Vou ficar gordo? Posso comer animais? Quando e com quem devo comer? Nada disso é simples de se resolver. Da mesma forma, se vestir ou dar-se a ver ao outro também não é simples: como cortar o cabelo, como vestir, como ser uma imagem. Isso também excita, satisfaz e angustia. Ter ou não cabelos é apenas um capítulo dessa história de coisas que fazemos e produzem afetos. Isso poderia ser uma definição de sexual para a psicanálise: a produção de afetos sem uma regra clara – afetos que vão da angústia mais intensa ao prazer mais sublime.
Sansão às avessas: o sujeito adere aos cabelos para perder a força. Mas as coisas não são tão simples assim: a força que ele quer preservar é a do narcisismo, da imagem. Na nossa cultura, talvez mais acentuadamente que em outros momentos da história humana, a imagem vale mais que nosso desempenho físico no amor. Isso ajuda a aumentar nossa definição do sexual: não há instinto que guie, de uma vez por todas, que o investimento libidinal deve ser em tal ou tal direção.
Pra terminar: na mesma edição de hoje da Folha, uma nota assustadora da jornalista Mônica Bergamo diz que “um sutiã cor-de-rosa com bojo de espuma imitando o formato de seios é vendido em tamanho seis (para menina de seis anos) nas Lojas Pernambucanas”. O grotesco é uma das melhores formas de se ver o que é inconsciente na norma: desejar ver seios fartos em meninas de seis anos de idade pode ser tão bizarro quanto preservar os cabelos às custas da potência genital, mas ambos exemplos mostram que a sexualidade, no humano, é feita, em grande medida, de imagem.
São Paulo, quarta-feira, 06 de abril de 2011 |
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