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A pulsão e a gambiarra

26/07/11

Freud utilizou uma metáfora nos Três Ensaios para enfatizar o caráter contingencial da ligação entre a pulsão e os possíveis objetos através dos quais ela se satisfaz. Ele nos diz que a pulsão se liga ao objeto com uma solda. A metáfora é interessante pois deixa bem claro que não há uma ligação “natural” entre os dois elementos. É uma terceira coisa que intervém para conectar os dois. Pulsão não é instinto justamente nesse sentido: o instinto não precisa de “solda” porque seu objeto já é dado desde o princípio. Ou melhor, seria até mais apropriado dizer que o instinto e o objeto são um só. A própria ideia de que os dois são separados me parece inadequado…

Bom, mas o que quero propor é outra metáfora. Penso que a solda é ainda uma ligação muito forte, muito resistente. De maneira geral, quando soldamos algo, existe uma fixação muito intensa e de difícil desarticulação. Ora, não me parece que seja assim no campo do desejo. Usualmente, o desejo encontra muitos objetos e vários modos de satisfação. Raramente, nos contentamos com uma forma de gozo ou com apenas um objeto de amor. Isso parece ser mais a exceção que a regra.

Existe uma palavra na língua portuguesa, de origem desconhecida, que me parece mais adequada para descrever esse estado de coisas: gambiarra. O que é a gambiarra? É um arranjo contingente, um tipo de solução, geralmente inusitada para a solução de um problema. Um nó, uma amarração com arames, fitas adesivas: qualquer coisa pode ser alvo de ou servir como uma gambiarra. Seu caráter profundamente fluido e imprevisível traduz melhor, penso, a relação entre a pulsão e o objeto.

Relações amorosas são gambiarras. Elas não funcionam como um “encaixe” perfeito, mas como uma amarração, um arranjo. Isso não quer dizer que necessariamente funcionam mal. No dia a dia, temos bons exemplos de gambiarras que “quebram o galho” durante muito tempo.

Há, no entanto, um apelo nostálgico para que as relações amorosas vão além de “segurar as pontas”. A esperança de que uma solda mais potente ou uma ligação mais aguda pudesse evitar os riscos de rompimento ou mal-estares…

Uma psicanálise, talvez, sirva para melhorar essas “soluções de compromisso” – a bela expressão de Freud para descrever o sintoma, isto é, a relação entre a pulsão do eu e a pulsão sexual de morte – torná-las mais interessantes. Melhorar, eu disse: não desfazê-las por completo; não procurar “encaixes perfeitos”… Torná-las mais éticas, mais abertas às contingências, mais abertas à alteridade (interna e externa).

26/07/11