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As fotos de Dieckmann

13/05/12

Segundo vi nos jornais, a atriz Carolina Dieckmann teve suas fotos roubadas e divulgadas na internet. Nas fotos, a atriz aparece nua e em poses sensuais. Muito já foi dito e escrito sobre o evento. Dois grandes grupos de textos podem ser percebidos: o primeiro acusa Dieckmann de narcisismo ou de falta de bom senso; o segundo ataca os criminosos que divulgaram as fotos sem permissão. Faço parte do segundo grupo e acho muito importante criticar o primeiro grupo.

Por que alguém diante de um crime tão lesivo à nossa comunidade moral – uma comunidade que defende ferozmente o direito à privacidade, à liberdade sexual e à liberdade de expressão individual – suscita em seus membros uma reação tão moralista? Por que se coloca em debate o suposto narcisismo de Dieckmann e se escamoteia o crime de expor sem permissão parte da vida íntima de alguém? O que se deseja ao obnubilar a perversão da invasão em prol de tornar perversa uma prática particular? Vamos por partes.

Em primeiro lugar, as práticas sexuais privadas não dizem respeito à comunidade moral, não devem e nem precisam ser aprovadas por ninguém e nem devem ser julgadas a priori. Demoramos alguns séculos para construir a liberdade civil: nenhuma igreja, nenhum estado, nenhum grupo político pode proibir o sujeito de fazer o que quiser fazer, desde que este não machuque ninguém. Dieckmann não fere o direito de ninguém ao se fotografar nua, nem expõe sua nudez a pessoas que não querem vê-la. Ela apenas faz algo que provavelmente lhe dá prazer. E ninguém tem nada a ver com isso. Julgá-la, seja chamando-a de narcisista ou retirando-lhe o bom senso, é inverter o vetor da justiça que o caso exige.

Não está mais próximo da psicanálise a ideia de que devemos lutar para tornar menos relevante o julgamento moralista sobre tais práticas na esfera pública? A psicanálise não deve treinar nosso olhar a fazer mais visível a traquinagem do sujeito que fere um direito civil fundamental do que um suposto narcisismo a ser punido? Não estamos diante do famoso e trágico exemplo de culpar a vítima do estupro, pois ela usava uma mini-saia provocativa? As proporções são diferentes, mas entendam a lógica do julgamento: moças devem ter bom senso ou serem menos narcisistas… afinal, “se se expõem desse jeito, podem ser expostas de qualquer forma”…

Nesse caso e em outros nos quais a quebra de privacidade é feita em nome da suposta perversão da vítima o que temos é o que se pode chamar de perversão legitimada, uma dobra cínica da lei, por assim dizer, que apaga seu caráter sádico em nome de uma pedagogia exemplar. Lembremos: a ideia do castigo público não serve apenas para dissuadir o povo a cometer crimes. Essa é a superfície da lógica punitiva. O que está em questão é a excitação provocada pela cena da punição, tanto nos seus algozes-didatas quanto nos alunos-vorazes-de-privacidade-roubada que podem também gozar tranquilamente: não estamos cometendo crime algum ao ver as fotos roubadas de alguém tão narcisista, afinal, ela foi narcisista e não teve o bom senso de tomar cuidado com suas práticas exibicionistas. Essa terrível lógica só pode ser cínica: tenta inverter completamente o sentido do crime. Criminaliza a prática individual de um prazer mais que legítimo em nossa cultura e descriminaliza o crime tornando-o ato de punição exemplar.