[Sobre Frankenstein] A consciência de sua monstruosidade é diretamente proporcional a saber-se radicalmente desacolhido, não-amado. Por mais que Frankenstein tenha conhecido um ou outro momento de alegria, de amor, de reconhecimento… sua escolha final, procurar o abrigo de impossível hospitalidade, o pólo norte, é sinal de que nunca pudera vencer a grotesca ambivalência de ser a um só tempo filho desejado e amontoado de cadáveres. Imaginem o quão horripilante é Frankenstein. Suas cores fétidas e cadavéricas… É uma metáfora muito potente da coincidência entre ser e ser abjeto.
As origens alteritárias disso não podem ser esquecidas. De repente, o susto do pai: o que foi que fiz? O que desejei? Hybris do pai: desejar fazer um bebê sozinho, sem a presença de nenhum outro (não somente de uma mulher)… A hybris da onipotência é um outro nome para a solidão. Frankenstein, o filho, apenas leva adiante, de forma ainda mais aguda, o que lhe foi transmitido. E se Frankenstein tivesse tido um bebê (como a menininha da foto)? E se ele pudesse reparar seu abandono acolhendo alguém com quem se identificasse projetivamente?
Há algo em nós mesmos e no outro que é dessa ordem, da monstruosidade… Inacolhível, intratável? Questão de grau, talvez… cada um com um tipo de monstruosidade, com uma quantidade dela… alguns controlam bem a sua e toleram bem a do outro… a psicanálise coloca, me parece, essa questão: como tratar a minha monstruosidade? Como lidar com a do outro? Como traçar sua história e mudá-la de alguma maneira? Existem lugares não tão inóspitos nos quais a monstruosidade de alguém pode ser reconhecida de outra forma, não-monstruosa? (O conto de fada do patinho feio é uma versão mais feliz desse mito).