“Blue Jay”, dirigido por Alex Lehmann, pode ser visto como uma alegoria sobre a relação entre a culpa e a reparação.
24 anos depois, Jim e Amanda se reencontram e relembram os tempos de adolescência quando eram namorados.
A morte da mãe leva Jim de volta à cidade natal para arrumar sua casa de infância. A mãe guardava todos os objetos do jovem Jim: roupas, diários, antigas gravações e uma carta de amor não entregue a Amanda.
Amanda, por sua vez, volta à cidade para visitar a irmã. Casada, Amanda atravessa uma fase deprimida. Apesar de ter cumprido todo o protocolo de uma vida bem-sucedida.
O tempo do filme é o transcorrer do fim da tarde até o amanhacer do dia seguinte. Durante a noite, o casal reouve as músicas, reconta as histórias, reabrem as feridas. A imersão no passado possibilita a Jim e Amanda conversarem sobre o trauma que os separaram.
A metáfora da carta guardada e jamais entregue é um clichê, mas muito didática para se compreender o peso da culpa.
Parte do tormento do luto proveniente do fim das relações amorosas é a sensação de que não conseguimos dizer tudo, de que ficamos para sempre sem a resposta do outro. Um resto não-dito, um desentendimento incômodo, espinho na carne.
Novos demais para lidar com o traumático, o casal se separou, mas se manteve junto nesse tipo de universo paralelo dominado pelo pretérito imperfeito do subjuntivo ou futuro do pretérito do indicativo disparado pelo luto. E se eu tivesse dito? E se eu tivesse feito? Eu faria diferente… eu não deveria ter feito…
A carta finalmente chega à destinatária. A palavra faz seu trabalho de dar contorno à dor, de torná-la possível, consciente, compartilhada. Mais uma vez o universo paralelo: por que você não mandou essa carta? A gente teria sido tão feliz se nossas escolhas tivessem sido outras…
Jim e Amanda viveram, cada um a seu modo, a dor melancólica de um luto que não foi compartilhado. O reencontro dos dois é uma redenção quando abre a possibilidade de reparação. Dizer o que não foi dito, compreender, tanto tempo depois, as razões um do outro. A reparação abre caminho para perdoar a si mesmo e ao outro. A culpa – esse tipo de auto-espancamento interno que não traz alívio, nem redenção – finalmente pode cessar.
É diante do irremediável, do imutável, do que não tem volta, é diante disso que o perdão é convocado. O perdão – insisto: dirigido a si próprio e ao outro – é uma forma de compreender o sentido do mal para contorná-lo e dar a ele um lugar. O perdão desfaz a operação metonímica da culpa que faz do erro o todo do sujeito. O perdão situa o erro como parte de um jogo mais complexo.
Vamos, muitas vezes, à análise, nos libertar de um peso do passado, um mal que cometemos ou sofremos que permanece longamente presente, aprisionando-nos nessa cápsula do tempo, a fixação do que não pôde ser dito e compreendido.
A maioria de nós não terá a sorte de Jim e Amanda. A indiferença mútua que os casais separados dedicam um ao outro, paradoxalmente, leva o casal a manter-se unido no campo da fantasia do que poderia ter sido. Para sempre presos um ao outro pelo que poderiam ter feito, pelo que deveria ter sido dito. A culpa é uma forma de não seguir adiante, de não se separar jamais. O perdão e a reparação são as maneiras de compreender que as marcas do outro estarão sempre ali, mas que não precisam ter a mesma intensidade dolorosa ou o funcionamento metonímico que desejam impor.
A transferência é, nos casos menos afortunados, a única possibilidade de revisitar as relações encruadas no ódio, na culpa e no ressentimento. Elaborar a culpa é, finalmente, compreender que não são mais necessárias cartas, explicações e tentativas infinitas de dar sentido ao desencontro.
Admitir que somos conduzidos por forças inconscientes, que não somos obrigados a saber lidar com desejo, que vamos sempre, aliás, ter que fazer e refazer os sentidos do que o desejo quer de nós: isso é parte das condições de possibilidade da reparação do erro do passado – sem modificar aquilo que efetivamente não pode mais ser desfeito, mas mudando a maneira pela qual vemos o que fizemos e fazer as pazes com as forças – partes estranhas, mas nossas – que não podíamos ver até então.