Há uma obra de Giacometti (1948), no MOMA, chamada City Square:
Uma imagem melhor no próprio site do MOMA: http://www.moma.org/collection/object.php?object_id=81373
Sempre penso nessa “praça de cidade” quando leio Blanchot:
“(…) Na palavra, é o fora [le dehors] que fala dando lugar à palavra e permitindo a ela falar.
– De forma que os interlocutores só falariam por causa de sua estrangereidade preliminar e para dar expressão a essa estrangereidade?
– Sim, fundamentalmente. Há linguagem, porque não há nada de “comum” entre aqueles que se exprimem, separação que é suposta – não superada, mas confirmada – em toda palavra verdadeira.” (Blanchot, Maurice. L’Entretien Infini. Paris: Gallimard, 1969: 79).
Como compreender essa ideia de Blanchot? Não diz o pragmatismo que falamos justamente porque compartilhamos significados comuns? Não falamos justamente porque supomos que aquilo que dizemos o outro o compreende minimamente? Então, que história é essa de uma separação confirmada pela linguagem?
O mito de Babel talvez lance alguma luz aqui: o desejo de alcançar o divino, o absoluto, resultou numa confusão insuperável de línguas. Não é possível chegar ao acordo absoluto, à compreensão total do Todo. Sempre há outra perspectiva possível. Há sempre novas descrições possíveis.
Um outro ponto a se lembrar é que a aprendizagem da linguagem se dá de forma afetiva e não digital. As palavras, a psicanálise nos ensina, são muito mais que códigos. A poesia é prova de que a palavra é som e afeto muito antes de significar qualquer coisa.
Finalmente, compreendo Blanchot como desejando apontar para a radical singularidade de cada um (o pleonasmo é necessário aqui). Isso para mostrar também que, apesar de compartilharmos muitas coisas – afinal, aqueles caras da praça de Giacometti andam numa praça construída por todos… – não compartilhamos tudo. Há sempre o “fora”, aquilo que não pode ser pensado, que não pode ser dito…
Penso no desejo de apontar para a diferença entre nós muito mais do que para o que compartilhamos como um método. Derrida, Foucault, Blanchot, Freud, Bataille: cada um a sua maneira valeu-se dessa mesma tática discursiva. Apontar para a diferença, para a errância, para o inconsciente… como tática iconoclasta, crítica às imagens fixas que queremos fazer de nós mesmos. Esse é sempre o primeiro passo para qualquer mudança (pessoal e política) possível.
Mas, quais são os riscos políticos dessa forma de descrever os humanos? Por um lado, prosseguimos com algo importante conquistado na modernidade: o respeito pelas diferenças. Por outro, corremos o risco de reificar essa diferença tornando impossível ações sociais ou “sujeitos coletivos”: observem que na escultura de Giacometti nenhum dos transeuntes olha um para o outro.
Pensar de novo: a diferença, no limite, é impossibilidade de encontro. Mas, só a diferença-porvir de todo encontro é política de fato.