O ódio ama a hipérbole: “todos são canalhas”; “todos corruptos”; “tudo errado”.
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O ódio ama a metonímia: “se há um x em y, todo y terá x”; “se fez isso uma vez, sempre fará”.
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O ódio odeia o perdão e ama o que é fixo e imutável. O ódio faz acreditar que a alma humana é imutável: em sua maldade e/ou bondade.
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O ódio odeia o matiz, a nuance, a transitoriedade das fronteiras e das identidades.
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O ódio ama a certeza e despreza a dúvida, o pensamento e o diálogo (interno e também com o outro externo).
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O ódio deseja, no limite, o apagamento de toda alteridade, de toda diferença.
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Viver com o outro é uma espécie sofisticada de esconde-esconde, no qual é uma alegria se esconder e uma desgraça não ser encontrado… Façam trabalhar essa ideia de Winnicott… O ódio é sempre invasivo. O ódio odeia o respeito pelo espaço do outro.
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O ódio sustenta a crença de que é possível eliminar, para sempre, o mal. O ódio, aliás, é mestre em designar o que é o mal e tem a renovada esperança de distingui-lo completamente do bem.
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Para elaborar o ódio é preciso saber generalizações são sempre abstrações perigosas, um modo fácil de operar com a angústia produzida pela multiplicidade de sentidos da realidade humana.
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Para elaborar o ódio é preciso um exercício contra metonímias, contra a lógica cínica de reduzir a parte pelo todo. A estratégia é sempre mostrar como outras partes, outros sentidos, estão sempre presentes.
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Para elaborar o ódio é preciso saber que o perdão não significa esquecer, mas sustentar uma barreira contra o que nos violenta e invade. Manter esse não vivo, porém sem que ele vise a destruição do ódio ao qual visa barrar. É preciso sustentar a imagem do horror, lembar-se dele para que ele não se repita.
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Para elaborar o ódio é preciso estar disposto à conversa infinita, a sustentar o exercício da suspeita permanente sobre nossas certezas. Criar um espaço no qual seja mais autorizado descontruir para reconstruir diferentemente. O avesso do ódio é tomar a estética como modo de vida: é sempre preciso criar mais, reinventar, mantendo vivo o processo dialético entre desconstruir e reconstruir.
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O ódio sustenta a distinção entre o eu e o não-eu. Separar-se, constituir-se como unidade requer ódio. É preciso o lento trabalho do amor para lembrar que a tópica da diferença assim instituída admite porosidades, fronteiras mais fluídas. Abrir espaço para as delícias das identificações, dos compartilhamentos, do estar junto: sem perder-se e sem se impor em demasia. Sustentar a tensão, muito mais que tentar resolvê-la…